quarta-feira, 14 de abril de 2010

Frio na barriga



O snowboarder da bota se chama Doug, é australiano e mora Londres, a menina que estava com ele também é australiana e mora em Londres e se chama Ann. Eu conversei com ele e nós combinamos de ir numa pista no dia seguinte, a Ann não tava no quarto. Ontem eu falei que eu voltei pro hostel e dormi mas eu esqueci que não.
Eu fui na cozinha, o londrino professor de russo tava lá jogando uma jogo de cartas no sofá com umas pessoas, três caras e uma menina. Eu tinha comprado um sanduíche e me sentei na mesa pra comer. Comecei a reparar no jogo e era uma espécie de Mau-mau meio maluca, fiquei curiosa e perguntei o que eles tavam jogando. Eles me explicaram que era um drink-game que um deles tinha inventado e que se eu quisesse eu podia jogar, mas tinha que beber. DILEMA MORAL! Eu amo snowboard, tava lá só pra isso, se bebesse ia acordar super acabada mas eu adoro drink game com regra maluca e tenho dificuldade pra dizer não. Decidi que jogaria, mas com cerveja. Eles concordaram, fui comprar la perto e voltei.
A base do jogo é a mesma de Mau-Mau (ou Uno), descarta só a carta que pode, determinada carta faz você comprar outras e tal. A única regra maluca que eu lembro é a que caiu pra mim, é assim: quando eu pego determinada carta eu viro The Master of the Question, aí quando eu fizer qualquer pergunta, mas qualquer pergunta mesmo, se alguém responder, tem que beber, pra não beber, quando eu fizesse a pergunta, a pessoa tinha que virar pra mim e dizer Fuck You (eu contei que eles eram franceses?). É muito engraçado, porque eu sou super perguntadeira, tipo: É a minha vez? Você já jogou? Tem mais cerveja? De onde da França você é? Será que tá muito frio lá fora? E todo mundo caia o tempo todo e eu nem lembrava que eu era a Master of the Question, mas parecia que eu era a malandrona que tava fazendo todo mundo cair. Quando o jogo acabou, todo mundo estava caindo de bebado e eu tava normal.
No meio tempo do jogo chegaram umas pessoas novas, um deles era brasileiro. Caio, tava viajando pela Europa há uns três meses, antes disso ele trabalhava na Arábia Saldita numa empresa de engenharia mas tinha sido mandado embora por causa da crise. Ele já tava louco pra voltar pra casa de uma vez. Em Praga ele conheceu um australiano, Tony e um boliviano que mora nos EUA, Danilo. Eles estavam viajando juntos desde lá.
O francês que inventou o jogo ama o Brasil,, já foi pra lá algumas vezes e fala um pouquinho de português, ficou todo empolgado quando soube que a gente era do Brasil, foi lá no quarto dele e vestiu uma camisa da seleção canarinho. Ele era tipo pessoa intensa, ama a Australia, ama a América do Sul, fala um pouquinho de espanhol também, ama a Polônia, tava aprendendo super rápido umas palavras em polonês e ama a França, é óbvio. Nós jogamos mais umas três partidas e todo mundo resolveu ir pra alguma balada. Menos eu que tava cansada e resolvi dormi contrariando toda as insistências para eu continuar na balada com todo mundo. Tava cansada, e tinha combinado com o Doug de ir no dia seguinte bem cedinho. Aí sim eu fui pra cama e dormi como uma pedra.

No dia seguinte, acordei bem cedinho e fui tomar café da manhã. Nesse hostel era descente: pão, peito de peru, queijo, geleia, mantiega, tomate, pepino, café solúvel e leite. Tinham umas pessoas fritando uns ovos. Acho que eram russos não olharam na minha cara mas não foram rudes, digamos assim, eram reservados.

O Doug apareceu e combinamos de sair em vinte minutos. Eu voltei pro quarto pra me preparar e encontrei com a Ann, perguntei se ela tava pronta pra ir com a gente e ela falou que não ia, que ia pra Cracóvia. Achei meio estranho, mas sei lá. Vesti todas as camadas de roupa, a bota de snow, a luva, cachecol, gorro. Nós fomos para uma pista mais distante, tinha que ir até a rodoviária para pegar o onibus. O Doug era simpático, falava pouquinho e com aquele jeito amigável que muitos australianos tem. O onibus demorou pra chegar e depois que subimos nele, demorou mais um tempinho pra chegar.



A pista era linda é mais larga e os lifts são diferentes. O pra pista maior é cabem mais pessoas e é totalmente fechado e o pra pista menor é tipo um gancho que você coloca entre as pernas e te puxa para cima deslisando no seu board ou ski.

De snowboard não dá pra colocar entre as pernas, tem que segurar. A gente foi primeiro na pista grandona, eu tinha esperança que fosse mais fácil do que a da outra pista mas nao era, era tão inclinada quanto. O Doug dropou e sumiu da minha vista. Eu fiquei lá, estatelada, sem saber o que fazer de novo. Ele passou por mim mais uma vez e falou pra mim descer, que não era tão difícil, eu falei que precisava de mais um tempinho. Ele passou por mim mais uma vez e outra, aí eu decidi ir. Mas bem devagarinho, controlando a derrapagem, morrendo de medo. Resolvemos tentar o da pista menos, mais foi engraçado, eu cai umas quatro vezes tentando subir com o lift.
Resolvemos ir embora de lá e voltar mais uma vez pra pista de sempre que com certeza era a melhor de todas para iniciantes.
Ele foi pra grandona e eu fiquei na pequena, me sentindo a loser por ser tão medrosa.