domingo, 25 de abril de 2010

De repente

O Doug me ensinou uma técnica para controlar a velocidade na descida quando ainda não se sabe controlar do jeito certo. É só descer de lado, ir derrapando com o snowboard. Resolvi tentar, eu não gostava muito do meu bind novo, não prendia o pé direito, não gostava muito do meu board e da bota. O meu primeiro snowboard era bom, o que eu aluguei em frente da pista, volta e meia eu me pergunto como seria se eu tivesse ficado só com ele.

Fui derrapando, cai uma vez, levantei, continuei, fiz o carvin pra direita, de frente pra pista, peguei uma velocidade mas deu pra controlar, virei o board pra esquerda e fui derrapando, passei por uma parte com neve batida, perdi o controle do board, derrapei rápido e cai pra trás. Ouvi um som diferente, como se meu board tivesse quebrado. Meu corpo todo doeu como sempre. Levantei o corpo pra sentar, mas meu braço direito ficou mole pra trás. Deitei de novo, olhando pro céu, eu tinha quebrado o braço, eu tava no alto da montanha e estava sozinha. Olhei mais uma vez pro braço, o antebraço tava quebrado, tava todo torto, resolvi não olhar mais. Eu não senti medo nem desespero, senti uma espécie de tranquilidade, algo como se tivesse alguém falando aos meus ouvidos que agora era hora de pedir ajuda. Gritei por socorro, virei a minha cabeça pro lado, vi umas pessoas paradas, gritei por elas mas elas não vinham, só olhavam pro topo da montanha. Deitei a minha cabeça na neve e gritei por socorro deitada. Um instrutor apareceu na minha frente e falou que ele já tinha chamado o resgate. Ele estava com outro instrutor, eles estavam chamando por um rádio. Ele chegou perto e disse que iria mover meu corpo, mas quando ele tentou viu que meu braço estava completamente quebrado e desistiu. Levou mais alguns minutos eternos pro resgate chegar, eu fechei meu pulso do braço quebrado e isso me fez me sentir melhor, pelo menos isso, os nervos estavam bem. O cara do resgate chegou, tinha um rosto super sereno, me acalmou um pouquinho. Ele me fez sentar, não lembro da dor, enrolou uma gaze que fez braço ficar preso junto ao meu corpo. Eu não conseguia chorar. Perguntei se ele achava que era grave e mostrei que eu conseguia fecha o pulso, ele falou que achava que não, que achava que eu só tinha torcido o braço. Eu sabia que ele tava errado, eu tinha visto meu braço mole se dobrar quando eu tentei levantar, mas por aquele instante eu me permiti acreditar nele. Ele me colocou deitada num trenó, atou meu corpo a ele e me puxou de ski pra baixo. Parecia que ele tava indo super rápido, dessa hora eu lembro da dor. Lembro da dor e do topo das árvores passando rapidamente por mim. Eu gritei pra ele ir um pouquinho mais devagar mas, ou ele não ouviu ou me ignorou, quando chegamos eu dei graças por ele ter ido rápido e ter acabado de uma vez. Ele me disse que o resgate estava vindo, mas que talvez demorasse um pouquinho porque poderia estar atendendo outra pessoa. Começou a preencher a minha ficha. Eu ainda estava amarrada no trenó, olhando pra cima e finalmente chorando, mas bem pouquinho. Ouvi um reggae se aproximando, aí o cara do resgate olhou pro lado e falou que a ambulância tinha chegado.

O cara do resgate era sereno e os dois da ambulância eram engraçados. Falavam bem pouquinho inglês. Eles me ajudaram a entrar na ambulância, perguntaram pro cara do resgate alguma coisa e ele respondeu "Brazylijski", daí eles "ohhh”, abriram um sorrisão pra mim e perguntaram o que uma brasileira estava fazendo num lugar tão frio. Eu não queria responder essa pergunta chata, ainda mais no estado que eu estava, nem lembro o que eu respondi. Eles me deram algo pra dor, um deles que era o motorista e não falava nada de inglês falou alguma coisa pro que tava me dando injeção que virou pra mim e disse "pra você se sentir melhor, o meu amigo disse que seus olhos são maravilhosos'' eu pensei comigo mesma ''gente, mas como me sentir melhor, eu quebrei o braço na Polônia e tô aqui completamente sozinha e o cara acha que eu vou ficar bem só porque eles acham olhos castanhos bonitos? Mas até que né, elogio sempre faz bem, ainda mais pra olhos castanhos que no Brasil são super normais'', eu agradeci chorando, ele colocou o reggae e fomos pro hospital.

Chegando no hospital, eles me deram uma cadeira de rodas e pediram pra eu esperar. Começaram a fazer a minha ficha, pediram meu passaporte, mas ele tava na minha jaqueta e eu tava toda amarrada no gaze. Me levaram pra uma salinha, depois de um tempo os caras da ambulância vieram e pediram o passaporte de novo, eu falei de novo que tava na jaqueta, eles decidiram tirar a gaze e saíram com o passaporte, depois de um tempo, voltaram com uma enfermeira, ela olhou pra mim meio impaciente, meio mal humorada. Ela perguntou alguma coisa pra eles e eles: Brazylijski. E ela, uh lala. Eu me senti tão mal, odiei tanto esse estigma que a gente tem.

O medico veio, repetiu a reação por eu ser Brazylijsk e começou a examinar meu braço. Ele era um plantonísta já meio velho que não falava nada de inglês. Ele tirou a minha jaqueta e a minha blusa, eu estava olhado pra frente mas eu ouvi os caras da ambulância fazerem um som de espanto ao verem o meu braço. Eu olhei de relance, mas a enfermeira falou pra eu não olhar. Me mandaram pro raio-x e depois de volta pra salinha do medico enquanto ele examinava o raio-x em outra sala. Depois de um tempo o cara da ambulância veio e me falou pra não me desesperar, mas que eu teria que passar a noite lá pois eu teria que fazer uma operação. Eu me desesperei pela primeira vez. Ele falou pra eu me acalmar, que talvez eu não precisasse operar. Eu tentei, mas eu estava sozinha, naquele lugar estranho, com um medico que não falava comigo, com pessoas que me julgavam por eu ser brasileira, sendo atendida praticamente pelo cara da ambulância.

Eu estava horrorizada.