domingo, 25 de abril de 2010

De repente

O Doug me ensinou uma técnica para controlar a velocidade na descida quando ainda não se sabe controlar do jeito certo. É só descer de lado, ir derrapando com o snowboard. Resolvi tentar, eu não gostava muito do meu bind novo, não prendia o pé direito, não gostava muito do meu board e da bota. O meu primeiro snowboard era bom, o que eu aluguei em frente da pista, volta e meia eu me pergunto como seria se eu tivesse ficado só com ele.

Fui derrapando, cai uma vez, levantei, continuei, fiz o carvin pra direita, de frente pra pista, peguei uma velocidade mas deu pra controlar, virei o board pra esquerda e fui derrapando, passei por uma parte com neve batida, perdi o controle do board, derrapei rápido e cai pra trás. Ouvi um som diferente, como se meu board tivesse quebrado. Meu corpo todo doeu como sempre. Levantei o corpo pra sentar, mas meu braço direito ficou mole pra trás. Deitei de novo, olhando pro céu, eu tinha quebrado o braço, eu tava no alto da montanha e estava sozinha. Olhei mais uma vez pro braço, o antebraço tava quebrado, tava todo torto, resolvi não olhar mais. Eu não senti medo nem desespero, senti uma espécie de tranquilidade, algo como se tivesse alguém falando aos meus ouvidos que agora era hora de pedir ajuda. Gritei por socorro, virei a minha cabeça pro lado, vi umas pessoas paradas, gritei por elas mas elas não vinham, só olhavam pro topo da montanha. Deitei a minha cabeça na neve e gritei por socorro deitada. Um instrutor apareceu na minha frente e falou que ele já tinha chamado o resgate. Ele estava com outro instrutor, eles estavam chamando por um rádio. Ele chegou perto e disse que iria mover meu corpo, mas quando ele tentou viu que meu braço estava completamente quebrado e desistiu. Levou mais alguns minutos eternos pro resgate chegar, eu fechei meu pulso do braço quebrado e isso me fez me sentir melhor, pelo menos isso, os nervos estavam bem. O cara do resgate chegou, tinha um rosto super sereno, me acalmou um pouquinho. Ele me fez sentar, não lembro da dor, enrolou uma gaze que fez braço ficar preso junto ao meu corpo. Eu não conseguia chorar. Perguntei se ele achava que era grave e mostrei que eu conseguia fecha o pulso, ele falou que achava que não, que achava que eu só tinha torcido o braço. Eu sabia que ele tava errado, eu tinha visto meu braço mole se dobrar quando eu tentei levantar, mas por aquele instante eu me permiti acreditar nele. Ele me colocou deitada num trenó, atou meu corpo a ele e me puxou de ski pra baixo. Parecia que ele tava indo super rápido, dessa hora eu lembro da dor. Lembro da dor e do topo das árvores passando rapidamente por mim. Eu gritei pra ele ir um pouquinho mais devagar mas, ou ele não ouviu ou me ignorou, quando chegamos eu dei graças por ele ter ido rápido e ter acabado de uma vez. Ele me disse que o resgate estava vindo, mas que talvez demorasse um pouquinho porque poderia estar atendendo outra pessoa. Começou a preencher a minha ficha. Eu ainda estava amarrada no trenó, olhando pra cima e finalmente chorando, mas bem pouquinho. Ouvi um reggae se aproximando, aí o cara do resgate olhou pro lado e falou que a ambulância tinha chegado.

O cara do resgate era sereno e os dois da ambulância eram engraçados. Falavam bem pouquinho inglês. Eles me ajudaram a entrar na ambulância, perguntaram pro cara do resgate alguma coisa e ele respondeu "Brazylijski", daí eles "ohhh”, abriram um sorrisão pra mim e perguntaram o que uma brasileira estava fazendo num lugar tão frio. Eu não queria responder essa pergunta chata, ainda mais no estado que eu estava, nem lembro o que eu respondi. Eles me deram algo pra dor, um deles que era o motorista e não falava nada de inglês falou alguma coisa pro que tava me dando injeção que virou pra mim e disse "pra você se sentir melhor, o meu amigo disse que seus olhos são maravilhosos'' eu pensei comigo mesma ''gente, mas como me sentir melhor, eu quebrei o braço na Polônia e tô aqui completamente sozinha e o cara acha que eu vou ficar bem só porque eles acham olhos castanhos bonitos? Mas até que né, elogio sempre faz bem, ainda mais pra olhos castanhos que no Brasil são super normais'', eu agradeci chorando, ele colocou o reggae e fomos pro hospital.

Chegando no hospital, eles me deram uma cadeira de rodas e pediram pra eu esperar. Começaram a fazer a minha ficha, pediram meu passaporte, mas ele tava na minha jaqueta e eu tava toda amarrada no gaze. Me levaram pra uma salinha, depois de um tempo os caras da ambulância vieram e pediram o passaporte de novo, eu falei de novo que tava na jaqueta, eles decidiram tirar a gaze e saíram com o passaporte, depois de um tempo, voltaram com uma enfermeira, ela olhou pra mim meio impaciente, meio mal humorada. Ela perguntou alguma coisa pra eles e eles: Brazylijski. E ela, uh lala. Eu me senti tão mal, odiei tanto esse estigma que a gente tem.

O medico veio, repetiu a reação por eu ser Brazylijsk e começou a examinar meu braço. Ele era um plantonísta já meio velho que não falava nada de inglês. Ele tirou a minha jaqueta e a minha blusa, eu estava olhado pra frente mas eu ouvi os caras da ambulância fazerem um som de espanto ao verem o meu braço. Eu olhei de relance, mas a enfermeira falou pra eu não olhar. Me mandaram pro raio-x e depois de volta pra salinha do medico enquanto ele examinava o raio-x em outra sala. Depois de um tempo o cara da ambulância veio e me falou pra não me desesperar, mas que eu teria que passar a noite lá pois eu teria que fazer uma operação. Eu me desesperei pela primeira vez. Ele falou pra eu me acalmar, que talvez eu não precisasse operar. Eu tentei, mas eu estava sozinha, naquele lugar estranho, com um medico que não falava comigo, com pessoas que me julgavam por eu ser brasileira, sendo atendida praticamente pelo cara da ambulância.

Eu estava horrorizada.


quinta-feira, 22 de abril de 2010

Antes


De noite, eu fui jantar com o brasileiro, o boliviano, Tony o australiano e a australiana suposta namorada do Doug. Eu meio que só fui acompanhar porque já tinha comido um kebab e estava completamente entupida de comida.

Mas provei desta iguaria polonesa: Cerveja quente com um pouquinho de algum suquinho que dava um gostinho doce. Ninguem quis tomar, mas eu tinha que provar, era super tradicional e vários polonêses tomavam.
Avaliação: HORRÍVEL. No começo até que passa, nos primeiros goles dá pra tentar apreciar, mas é enjoativo, doce e amargo e quente.






No dia seguinte eu fui andar de snowboard com o Tony e o boliviano, esses dois aí da foto. Eles compraram as roupas de ski num brecho que tinha na cidade e pagaram uns 5 slotz cada. Barato, mas as roupas eram tipo anos oitenta, amarelo com roxo fluorescente, uma beleza.
Foi super legal, fomos na pista de sempre. Eu fiquei na menor e eles foram pra grandona, me senti aliviada por estar longe das pessoas mais mal vestidas da pista, mas triste por ainda não ter coragem de ir na grandona.
Nessa noite, o brasileiro, o boliviano e a australiana foram embora e os franceses também. Ficamos praticamente só eu e o Tony no hostel. Tinham também uma escocesa, Ally , um polonês Symon e uma arabe super faladeiro e engraçado que morava na frança. A gente comprou cerveja e ficamos na sala do hostel bebericando e conversando. O Tony é um cara super inteligente, ele tá mais ou menos na mesma fase que eu. Meio que procurando se encontrar. Nós precisamos deste tempo, andando por paises que não conhecemos pra conhecer a si próprio.
Estavamos lá batendo um papinho quando chegaram uns hospedes novos no hostel. Mais dois australianos snowboarders e um deles parecia o Jude Law. Morri.
No dia seguinte fomos todos pra pista juntos, inclusive os australianos. Eu decidi que iria na pista grandona.
Eles foram na frente, eu fui na pequena pra tomar coragem. Desci uma vez e foi perfeito, tive controle do board, não cai nenhuma vez. Resolvi que estava pronta pra ir.
Eu tava com medo, queria ir mas não queria, quase desisti mas fui, quando eu sentei no lift não tinha mais volta. No trajeto até o topo eu vi as pessoas descendo, as pessoas caindo, vi o Tony, fazendo o carvin bem devagarinho e apoiando com a mão, vi uma menina descendo com todo cuidado, vi snowboarders experientes fazendo carvins curtos e precisos, fui tomando coragem.
















Essa foi a última foto que eu tirei antes de tomar coragem e descer. Era um dia bonito, céu coberto como sempre, mas com as nuvens mais baixas, compunha uma bela paisagem. Eu poderia ficar lá no topo por muito tempo e fiquei. Também tava esperando se alguns dos meninos chegavam, mas eu esperei demais e ninguém veio. Resolvi ir.
Eu tava ouvindo Arctic Monkeys, uma música sobre uma busca. Na música havia algo que me aguardava.


Dói um pouquinho ouvir essa musica agora, me leva pra aquele momento. Pros dias depois, pra tudo o que eu passei, pros cheiros, pros gostos, pras sensações, se eu fecho os olhos é como se eu ainda estivesse em Zakopane. A vida da gente é engraçada, o nosso corpo escolhe um estímulo que representa algum momento da memória. Com o estímulo, a memoria se ascende como um pano com querosene. Como com halls vermelho que toda vez que eu coloco na minha boca me vem um flash do meu primeiro beijo, da praça. do fim de tarde, do menino. Cornestone vai ser pra sempre a música de um dos capítulos importantes da história da minha vida.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Frio na barriga



O snowboarder da bota se chama Doug, é australiano e mora Londres, a menina que estava com ele também é australiana e mora em Londres e se chama Ann. Eu conversei com ele e nós combinamos de ir numa pista no dia seguinte, a Ann não tava no quarto. Ontem eu falei que eu voltei pro hostel e dormi mas eu esqueci que não.
Eu fui na cozinha, o londrino professor de russo tava lá jogando uma jogo de cartas no sofá com umas pessoas, três caras e uma menina. Eu tinha comprado um sanduíche e me sentei na mesa pra comer. Comecei a reparar no jogo e era uma espécie de Mau-mau meio maluca, fiquei curiosa e perguntei o que eles tavam jogando. Eles me explicaram que era um drink-game que um deles tinha inventado e que se eu quisesse eu podia jogar, mas tinha que beber. DILEMA MORAL! Eu amo snowboard, tava lá só pra isso, se bebesse ia acordar super acabada mas eu adoro drink game com regra maluca e tenho dificuldade pra dizer não. Decidi que jogaria, mas com cerveja. Eles concordaram, fui comprar la perto e voltei.
A base do jogo é a mesma de Mau-Mau (ou Uno), descarta só a carta que pode, determinada carta faz você comprar outras e tal. A única regra maluca que eu lembro é a que caiu pra mim, é assim: quando eu pego determinada carta eu viro The Master of the Question, aí quando eu fizer qualquer pergunta, mas qualquer pergunta mesmo, se alguém responder, tem que beber, pra não beber, quando eu fizesse a pergunta, a pessoa tinha que virar pra mim e dizer Fuck You (eu contei que eles eram franceses?). É muito engraçado, porque eu sou super perguntadeira, tipo: É a minha vez? Você já jogou? Tem mais cerveja? De onde da França você é? Será que tá muito frio lá fora? E todo mundo caia o tempo todo e eu nem lembrava que eu era a Master of the Question, mas parecia que eu era a malandrona que tava fazendo todo mundo cair. Quando o jogo acabou, todo mundo estava caindo de bebado e eu tava normal.
No meio tempo do jogo chegaram umas pessoas novas, um deles era brasileiro. Caio, tava viajando pela Europa há uns três meses, antes disso ele trabalhava na Arábia Saldita numa empresa de engenharia mas tinha sido mandado embora por causa da crise. Ele já tava louco pra voltar pra casa de uma vez. Em Praga ele conheceu um australiano, Tony e um boliviano que mora nos EUA, Danilo. Eles estavam viajando juntos desde lá.
O francês que inventou o jogo ama o Brasil,, já foi pra lá algumas vezes e fala um pouquinho de português, ficou todo empolgado quando soube que a gente era do Brasil, foi lá no quarto dele e vestiu uma camisa da seleção canarinho. Ele era tipo pessoa intensa, ama a Australia, ama a América do Sul, fala um pouquinho de espanhol também, ama a Polônia, tava aprendendo super rápido umas palavras em polonês e ama a França, é óbvio. Nós jogamos mais umas três partidas e todo mundo resolveu ir pra alguma balada. Menos eu que tava cansada e resolvi dormi contrariando toda as insistências para eu continuar na balada com todo mundo. Tava cansada, e tinha combinado com o Doug de ir no dia seguinte bem cedinho. Aí sim eu fui pra cama e dormi como uma pedra.

No dia seguinte, acordei bem cedinho e fui tomar café da manhã. Nesse hostel era descente: pão, peito de peru, queijo, geleia, mantiega, tomate, pepino, café solúvel e leite. Tinham umas pessoas fritando uns ovos. Acho que eram russos não olharam na minha cara mas não foram rudes, digamos assim, eram reservados.

O Doug apareceu e combinamos de sair em vinte minutos. Eu voltei pro quarto pra me preparar e encontrei com a Ann, perguntei se ela tava pronta pra ir com a gente e ela falou que não ia, que ia pra Cracóvia. Achei meio estranho, mas sei lá. Vesti todas as camadas de roupa, a bota de snow, a luva, cachecol, gorro. Nós fomos para uma pista mais distante, tinha que ir até a rodoviária para pegar o onibus. O Doug era simpático, falava pouquinho e com aquele jeito amigável que muitos australianos tem. O onibus demorou pra chegar e depois que subimos nele, demorou mais um tempinho pra chegar.



A pista era linda é mais larga e os lifts são diferentes. O pra pista maior é cabem mais pessoas e é totalmente fechado e o pra pista menor é tipo um gancho que você coloca entre as pernas e te puxa para cima deslisando no seu board ou ski.

De snowboard não dá pra colocar entre as pernas, tem que segurar. A gente foi primeiro na pista grandona, eu tinha esperança que fosse mais fácil do que a da outra pista mas nao era, era tão inclinada quanto. O Doug dropou e sumiu da minha vista. Eu fiquei lá, estatelada, sem saber o que fazer de novo. Ele passou por mim mais uma vez e falou pra mim descer, que não era tão difícil, eu falei que precisava de mais um tempinho. Ele passou por mim mais uma vez e outra, aí eu decidi ir. Mas bem devagarinho, controlando a derrapagem, morrendo de medo. Resolvemos tentar o da pista menos, mais foi engraçado, eu cai umas quatro vezes tentando subir com o lift.
Resolvemos ir embora de lá e voltar mais uma vez pra pista de sempre que com certeza era a melhor de todas para iniciantes.
Ele foi pra grandona e eu fiquei na pequena, me sentindo a loser por ser tão medrosa.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Ssssnow

Do outro lado da rua uma loja com placa de aluguel de snowboard, entrei na loja
e perguntei se alguém falava inglês e veio um cara que arranhava no inglês, mas pelo menos me entendia. Muitas vezes, quando se vai alugar ou comprar um equipamento ou qualquer coisa para atividades que tem predominância de público masculino, se o cara que te atende é um pouquinho caipirão (e esse era) eles tiram um barato com a sua "radicalidade". Acham engraçado e fazem piadinha sem graça a todo momento. Isso acontece só em lugares em que as pessoas ainda vivem a mentalidade de duas décadas atrás, tipo em alguns lugares de Floripa, alguns lugares de Dublin, alguns lugares de Zakopane, ou seja, em alguns lugares do mundo. Daí você tem duas opções: mandar o cara a merda e ir embora e procurar outro lugar ou responder as piadinhas com ironia e sarcasmo e não dar muita bola enquanto o cara estiver fazendo o trabalho dele. Eu opto pela segunda.
O cara me perguntou que que eu ia fazer e eu "what you mean?"e ele "free rider?"e eu "a tá. é, pode ser". Aí começaram as piadas imbecís: "Quer dizer que você é free rider Rrrosa" e eu "pois é, se vê que coisa." Daí escolhi minha prancha (Burton!!!!) .
Na pista, você tem que comprar o passe pro Lift, que é aquele teleférico que te leva pro topo do morro. Tinha uma fila gigante e eu nem sabia se era pra comprar o passe, aliás, eu nem sabia como funcionava o sistema do passe. Não sabia nada, achei melhor pagar por uma hora por um instrutor pra não fazer papelão. Eu já tenho a base do sandboard, mas não me ajudou em nada nesse primeiro momento. Como a dificuldade habitual de cidade turística em que se fala muito pouco de inglês, descobri como contratar um instrutor. Fiquei torcendo pra ser gatinho mas nem era, era gente fina. Depois dessa fila, tem outra fila pra pegar o lift. É bem mais rápida mas é chatinha. Como eu tava com o instrutor, a gente entrou pela lateral, so pegando a fila de quem tava tendo aula. Quando chega a sua vez, você tem que correr, se posicionar numa área que o lift vem devagarinho por trás e te leva. Quando chega no topo, tem que pular e correr pro lift não bater na sua cabeça. A galera do ski vai com ele no pé e já sai dropando, tem uns pessoas que prendem só um pé do snowboar e o outro fica solto, só dando uma controladinha pra sair da área que o lift te deixa, mas eu não peguei muito a manhã. Minha prancha tava sempre cheia de neve e o pé solto ficava escorregando. O instrutor veio me ensinar como colocar o bind (que é a presilha que segura o seu pé na prancha) mas isso eu já sabia da época do sand. Eu tava tipo uma criança, toda boba, não conseguia tirar o sorriso do rosto. A gente começou com ele segurando o meu braço e me ensinando como fazer o carvin que é o movimento que faz a prancha ir de um lado para o outro e controlando a velocidade. É muito parecido com os esportes que eu já pratiquei, eu já sabia, queria que ele me soltasse pra poder ir de uma vez. Mas ele não deixava, na terceira decida ele soltou e foi perfeito, muito fácil de controlar, muito mais rapido que sandboard e muito mais legal. Quando chegamos lá em baixo, ele veio me dar boa sorte e me deu uma broquinha, disse que eu fui muito rápido e que eu tinha que tomar cuidado com as outras pessoas. Ele falou que quando eu ia de frontside eu tava indo bem, mas que de backside, que é quando, por exemplo, se seu pé da frente é o esquerdo, você vai pra esquerda, de costas para a montanha, eu estava apoiando o corpo no pé de trás e que isso me fazia perder o controle e ir muito rápido. Eu prometi tomar mais cuidado, me despedi e fui correndo pro lift.




Lá pela quinta descida, com a endorfina e a adrenalina a mil, já comecei a me sentir a fodona. Nessa pista que eu estava tinham duas descidas, a iniciante e a profissional. A iniciante era bem pouco inclinada e só tinha criança e iniciante. Achei que já tava na hora de tentar a grandona.


No lift, subindo pra grandona, já deu pra ter uma idéia da besteira que eu fiz. Havia um abismo de diferença entre a pequena e a grande. A pequena era pequena e fácil e a grande era gigante e inclinadona. Eu sai do lift e fiquei parada, congelada, sem saber o que fazer. Algumas pessoas desciam com o lift, mas essa opção tinha que ser a última de todas. Ainda mais que as pessoas que desciam com o lift, subiam sem prancha, tavam só passeando.
Resolvi tentar, fui descendo devagarinho, caindo, parando. Mesmo assim era muito difícil, tinham umas partes com neve batida que faziam o snow ir mais rápido e não dava pra parar.
Eu parei no meio da descida e fiquei sentada por uma meia hora tomando coragem pra continuar. Durante esse período, uma moça de ski parou perto de mim e me perguntou se eu tava achando muito difícil, eu falei que sim, ela me olhou com cara de preocupação, de quem também tava com um pouco de medo, mas ela resolveu continuar e eu resolvi seguir o exemplo dela e fui também. Quando tava quase no finalzinho ficou bom, já não tava mais tão inclinado e a neve toda fofinha. Quando eu cheguei lá em baixo, decidi que eu ainda não estava preparada e me contentei só com a pequena mesmo. Fiquei até de noitinha, voltei pro hostel, assisti um pouquinho de tv, conheci um inglês simpático professor de russo, fui pra cama e desmaiei. Nessa noite eu não ouvi o pessoal chegar.
Na manhã seguinte acordei bem cedinho e fui de novo na mesma pista, eu tinha que devolve o snowboard na loja ao meio dia. Na hora que eu tava pegando as coisas no quarto, o snowboarder da bota abriu os olhos e me cumprimentou. Quando eu voltei pro hostel ele veio conversar comigo e a gente cobinou de ir junto pra outra pista que não a que eu já fui.
Falando em pista que eu já fui, voltando um pouquinho no tempo, depois de entregar o snow e depois de um lanche rápido, fui procurar pelo centro um lugar que alugasse prancha mais baratinho. Que viciada né? Eu sou meio obsessiva quando eu gosto de algum esporte. Pena que não são tantos. Eu encontrei um lugar que alugava meio escondidinho atrás do mercado público. O cara que trabalhava lá tinha cara de polonês com cara de árabe. Ele me deu um snowboard super grosso e pesado e o bind era de um sistema super antigo que tinha que girar uma rodinha pra apertar o pé. Eu não devia ter alugado, mas tava cansada de procurar então eu aluguei. Fui atrás de um onibus pra ir em outra pista, achei um e o cara me levou pra mesma pista que eu tinha ido de manhã e no dia anterior. Maravilha, tentei colocar o bind, não consegui, tive que pedir ajuda prum cara que quase machucou a mão tentando colocar, mesmo assim ficou frouxo, não consegui controlar a prancha, desisti, voltei pro hostel e dormi que nem uma pedra.

sexta-feira, 9 de abril de 2010


O cara veio me pedir desculpas por não ter trancado a porta, era um tipo bizarrão com cabelo metade descolorido, metade não, grandão, daqueles caras que são amigos do coadjuvante em pastelão americano a la American Pie. Eu tava morrendo de vergonha dele, respondi nervosamente que ok, acontece. Resolvi dormir pra chegar logo o dia de amanhã.
Durante a noite eu ouvi as pessoas chegando no quarto, perto da minha cama o snowboarder da bota deitou com uma menina, ela falava bastante mas ele não. Voltei a dormir.
No dia seguinte, acordei as sete e meia, vesti minha roupa de astronauta, minha coragem e fui. A menina da recepção (outra) me indicou uma pista e me mostrou no mapa como chegar lá.

Eu me perdi um pouquinho...



mas cheguei lá.


Ploc!

Sair do centro velho que é a área mais turística da Cracóvia, sair de perto do hostel, foi como estourar a bolha do conforto. Tudo estava tão fácil até aquele momento e chegar na rodoviária foi um parto daqueles com complicação. As pessoas não falavam inglês, a gente se sente desolada, não tem comunicação. Era perto de um dos maiores shoppings da cidade, no mapa ficava atrás do shopping, atrás da estação de trem. A estação de trem foi fácil, mas aí eu não descobri como chegar atrás da estação, era tudo fechado pra proteger a linha do trem, fui andando na lateral e tinha uma mulher vendendo doce, perguntei se ela falava inglês e ela negou bruscamente e virou a cara. Uma garota passou por mim e eu peguntei se ela falava inglês e ela falava um pouquinho e perguntei se ela sabia como chegar na rodoviária e ela não sabia, aí ela perguntou pra vendedora de doce que não quis falar (acredita?), aí ela ficou tentando pensar onde poderia ser e depois de cinco minutos a vendedora de doce, cansada daquela embromação na frente da barraquinha dela, falou alguma coisa em polonês e a garota, com um sorriso nervoso de constrangimento pelas atitudes de sua compatriota, me falou que eu deveria descer uma escada e passar por um túnel. Até conseguir pegar o onibus foi tudo assim, gente de mau humor que não falava inglês, gente que falava inglês e que não sabia nada. Depois de muito esforço descobri que a passagem eu pagava diretamente pro motorista e onde estava o onibus que ia pra Zakopane. O motorísta também não falava inglês mas era simpático. Partimos e anoiteceu no caminho.
Na chegada da cidade nós passamos em frente a uma estação de ski, as pessoas esquiando pareciam formiguinhas deslizando naquele tapetão branco. Eu não via a hora, os minutos, os segundos pra eu poder esquiar. Como tava de noite eu ia ter que esperar pelo dia seguinte.
Fui andando da rodoviária até o hostel, Zakopane era bonita, mas não tem o mesmo charme que a Cracóvia transborda, é bem um resort, com um monte de loja de ski e fast food. Turística demais, me decepcionou no primeiro olhar. Meu hostel ficava bem na rua principal da cidade, ao lado do Mac Donalds. Flamingo's Hostel, a menina da recepção foi bem simpática e me levou pro meu quarto, o quarto era dividido em dois, como que dois quartos, tinham 12 camas, seis em cada e ninguém estava lá naquele momento, eu escolhi a minha no quarto menor e ela saiu, vi uma bota de snowboard, que bom, já podia encontrar um parceiro. Alguém estava tomando banho e cantando no chuveiro, fui perguntar pra menina da recepção se tinha outro banheiro e ela entendeu que eu perguntei onde era, ela foi no quarto e me mostrou onde era e abriu a porta sem perceber que tinha alguém dentro. Como eu tava meio longe da porta, fui a primeira a ver um cara grandão no chuveiro de vidro transparente com a mão pra cima lavando a cabeça. Quando ela se deu conta do fato, fechou a porta rapidamente e morrendo de vergonha falou que ali era o banheiro e saiu correndo. QUE COMEÇO MINHA GENTE, QUE COMEÇO.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

E o vento mudou...


A Cracóvia é linda, cidade rústica e moderna, de arquitetura gótica, art noveau, classicista, renascentista, charmosa e romântica. Cidade histórica de museus, castelos, igrejas e estátuas. Guarda em si, traços do comunismo que a dominou por tantos anos, nas roupas, nos prédios, em algumas lojas, em alguns bares, em algum lugar.
Das lojas, o que mais me chamou a atenção foram as de chapéus, lindos e variados. Lá, eu vi também muitas senhoras usando casaco de peles.
As pessoas no comércio são simpáticas, não ao primeiro contato, mas ao segundo, são diretas mas são gentis e solícitas. Na maioria dos lugares fala-se ou pelo menos se entende inglês.
Ano novo, a cidade era turística, italianos, espanhóis, russos, ingleses, americanos, brasileiros.
No segundo dia do ano, ela já não era mais a mesma. Já não tinha tanta gente pela rua, algumas pessoas já passavam apressadas, em seus trajes sociais, indo para o trabalho. A cidade começava aos poucos a recuperar a sua rotina.






E se mostrava ainda mais encantadora, coberta de glacê de neve e eu não cansava de andar e andar.
Eu tenho essa incrível capacidade de me perder a todo momento e me perder na Cracóvia era bom. Descobrir uma nova rua, um nova estátua, um novo restaurante. Comida tradicional, comida japonesa, comida italiana, kebab, mas tudo com a charma da Polônia. Eu gosto de experimentar as comidas típicas de outros países quando viajo. É uma maneira de conhecer o estrangeirísmo daquele país. Diferenças no sabor, na apresentação do prato, nos ingredientes. Comida indiana aqui em Dublin é super apimentada, lá não.



































Depois do passeio pela cidade, eu fui encontrar com o Anderson e as Polonesas. Nós resolvemos ir num restaurante russo. Confesso que eu não lembro o que eu comi, o restaurante era bom, a decoração interessante, mas nada demais.
Nesse dia, ou no dia anterior, uma delas me contou uma coisa. Eu falei algo sobre o francês e ela me contou que ele tinha falado de mim. Que no dia seguinte do ano novo ele perguntou pra ela se ela tinha me visto na festa do hostel e ela falou que sim e ele falou: (algum termo que significa descontentamento), queria ter ido, eu gostei muito de conhece-la.
Ainda bem que ele não foi, mas quando ela falou isso foi engraçado. Ele tinha falado que não iria me ligar, eu achei que ele não queria mais me ver e na verdade ela estava sendo como eu, estava tentando se controlar. O isqueiro que eu vi no hostel não era dele e eu algum dia deveria aprender a me entender e a me gostar. Dificilmente eu verei o francês novamente, então de tudo isso, só fica a lição.
Já com o Martin foi completamente diferente. Quando ele me conheceu, me prometeu o mundo, queria que eu fosse pra Noruega o visitar, queria viajar pela America do Sul e queria que eu fosse com ele, escreveu no meu caderninho que eu era a menina dele. Eu não estava apaixonada, mas gostava de toda aquela atenção.
Nessa noite, depois do restaurante russo, a gente foi no Hostel beber umas cervejas e o Martin tava lá. A gente conversou um pouquinho, depois ele saiu prum lugar e a gente pra outro. No final fomos só eu e uma das polonesas, Kassia (se pronuncia Káxia). A gente foi num lugar que é um prédio de três andares, em cada andar tem uma balada diferente. No primeiro meio que dance, no segundo, mais alternativo, no terceiro meio que techno. Legalsin. Muita gente, muito barulho. Nos andares, tinham dois ambientes e em cada um rolava uma musica, e se você estivesse no meio dos dois, tocava uma música em cada ouvido. Quando a gente tava indo embora aconteceu uma coisa engraçada. Um cara grandão (da noruega, veja só), de mais ou menos uns vinte anos se aproximou da gente e perguntou se ele poderia pedir uma informação. Ele apontou pra um mendigo bebado falando no celular e contou que mendigo tinha pedido o celular emprestado pra ele e ele emprestou e agora o mendigo tava a um tempão falando no celular. E o norueguês queria a nossa opinião se ele deveria pedir o telefone de volta ou se era pra deixar o mendigo falar. Juro! A gente falou que sim, ele deveria pegar de volta, ele foi lá, pediu gentilmente e o mendigo devolveu e foi embora. Ele nos agradeceu e foi embora. Hahah, inesquecível.
Na volta, eu encontrei o meu norueguês e ele dormiu comigo. No dia seguinte, eu iria pra Zakopane e ele de volta pra Noruega. Nós acordamos, ele foi almoçar com os amigos e eu fui cuidar da minha bagagem. Ele me perguntou se a gente se veria mais tarde e eu disse que sim. Mas não. A viagem pra Zakopane, de ônibus, dura mais ou menos umas três horas, já era mais de meio dia, eu tomei banho, almocei num chinês que tinha ali do lado, mandei uma mensagem pra ele me despedindo e dizendo que eu não poderia esperar e que esperava encontrar com ele em algum lugar do mundo, o Raphael(o chileno) me ajudou a escrever a mensagem, fizemos de uma maneira simples, sem muito apego e simpática. Dei um abração de tchau no Raphael , na recepcionista do hostel e fui pra rodoviária. O Martin nunca respondeu a mensagem. Duvido que ele tenha ficado bravo por eu ter ido embora, quando ele foi almoçar com os amigos, sabia que corria esse risco. A minha teoria é que: ele prometeu de mais e deve ter sentido que se comprometeu demais, ele se enrolou na própria teia. Eu esperava por isso. O Nicolas e o Martin são extremos opostos. O Nicolas fala demais, mas fala demais o que sente, talvez naquela manhã, quando ele falou que não me ligaria, era isso que ele tava sentindo, tinha sido tão bom que ele tinha medo do que poderia virar, no que os relacionamentos sempre se transformam, ele queria continuar a mágica do primeiro encontro e quando eu já não estava mais lá ele quis me ver. O Martin não, ele jogou todas as cartas. Quando ele falou, era o que ele desejava, mas só naquele instante, suas palavras eram de comprometimento e isso ele não poderia fazer. Nicolas era o mais impulsivo, mas por saber o quão verdadeiras são as consequências de se ser assim, ele tem registrado no seu modo de agir o como se esquivar. Martin não sabe, ele só sabe fugir. Acho que nessas duas análises tem um pouquinho de mim também, eu sou isso o que eu falei dos dois. Eu me escondo, sei o que é ser impulsiva, deixo que me prometam e fujo ao primeiro sinal de perigo. Eu fugi dos dois e eu fujo diariamente de mim mesma. Nesse dia, a minha fuga tinha um destino.

Abandonei a Cracóvia.


E fui recomeçar em Zakopane.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Szczęśliwego Nowego Roku!

O jantar do hostel estava marcado pra começar às oito, eu fiquei pronta às oito e meia e desci. Quando eu cheguei no bar, passei por um cara de terninho, pensei: ai, será que aqui as pessoas comemoram o ano novo assim? Mas o resto do pessoal tava normal.
Tinha um buffet com uma espécie de salada de macarrão (sem maionese, thanks god), e uns sanduíches basicamente de queijo com pepino. Pepino é meio que básico nos sanduiches da Polônia, eu vi até numa propaganda de margarina, é tipo o alface no Brasil. Me servi, peguei um copo de cerveja e fui procurar algum lugar pra sentar. Tinha com os alemães mas nem, o resto estava tudo ocupado. Tentei na outra sala, todos os lugares ocupados menos o cara de terninho que estava sentado num sofá grandão sozinho. Perguntei se podia sentar lá e ele disse que sim, super simpático, da Noruega. Daí chegaram os amigos, todos de terninho, todos simpáticos e bonitos, eu pensei comigo mesma: Nossa, heheh, nem precisava tanto.

Eles eram super fofos. O que eu achei mais gatinho sentou do meu lado esquerdo e começou a me explicar quem era quem. Um era fotografo de natureza, o outro era administrador e musico de jazz nas horas vagas, o outro era snowboarder e videomaker e o que estava falando era matemático e tinha os olhos azuis lindos. Eu tava com vontade de rir e era (sou) editora de vídeo. :)
As brasileiras chegaram e acharam engraçado também. Eu fiquei o resto da noite conversando com o norueguês de olhos azuis, que se chamava Martin.



Eles todos tinham uma hábito engraçado, nenhum fumava cigarro, mas eles tinham um potinho com umas bolsinhas de tabaco. Você coloca essas bolsinhas na gengiva sob o lábio superior, no início tem um sabor horrível, arde um pouquinho, aí a vontade de fumar passa. Martin me contou que tem uma versão para mulheres em que as bolsinhas são menores e tem aromas, tipo de morango. Deve ser pior, eu experimentei e é tipo uma bomba de nicotina no seu sangue, dá até uma tontura. Tentei até dar mais uma chance pra ver se eu me adaptava mas é difícil, é muito ruim. Fomos ver os fogos no Main Quarter e depois fomos num bar que eles tinham reservado uma mesa, o bar tinha umas pessoas esquisitas e na tv tava passando La Notte, belíssimo filme de Antonioni com Marcello Mastroianni e Jeanne Moreau. Durante a noite eu encontrei com as polonesas. Foi um Ano Novo legal, ao lado de pessoas legais. Depois voltamos pro hostel e eu tava meio que só conversando com o Martin, aí eu vi sobre a mesa um isqueiro amarelo. Não era do Martin, ele não fumava. O que me chamou a atenção para ele é que o francês tinha um igual, será que ele estava no Hostel, ou esteve? Bom, decidi não pensar sobre isso, se ele visse eu com o Martin ia ser bem feito. Mas no fundo eu preferia estar com o francês, o Martin era super fofo, mas ele é completamente diferente de mim, do tipo de pessoa com quem você tem um bom papo, troca umas idéias. Também, ele era o extremo oposto de personalidade do francês, era reservado, falava pouco. Falava bem baixinho e calmamente, quase nao mexia o corpo ao falar. Na noite em que em passei com o francês, um maço de cigarro dele sumiu, ele ficou puto, falou com todo mundo, achou um absurdo. Depois, no final da noite, ele se arrependeu, achou que foi explosivo demais. O noruegues nunca faria uma coisa dessas, ele era super controlado. Na vida, no dia a dia, é melhor ser como o Martin, eu gostaria de ser assim, mas não sou e dificilmente conseguirei mudar. Com o Martin eu me sentia bem, mas não me sentia eu. Nós passamos o dia seguinte juntos, fomos num restaurante e depois voltamos pra Hostel.
Ao chegar no Hostel, a menina da recepção me falou que alguém tinha ligado para o hostel e que tinha acontecido alguma coisa e que eu deveria ligar para um número urgente. A dois anos atrás eu recebi uma ligação urgente no meio da noite, essa ligação foi a mais triste de toda a minha vida, no momento em que o telefone tocou, me despertando de um sonho esquisito eu vi no visor do celular que era a minha madrasta, ela só faria essa ligação por um motivo, eu não atendi, fiquei com medo, ela ligou de novo, depois a minha tia, depois a minha mãe, eu atendi a minha mãe e perdi o meu amado pai. Depois disso eu fiquei pra sempre com medo de atender telefone, se alguém me liga depois das 10 mesmo, eu me desespero. Aquela menina , me dizendo que tinha acontecido alguma coisa, fez o chão desaparecer sob meus pés. Quando a gente perde alguém amado, a dor é tanta que só de imaginar passar por isso outra vez já dói um pouquinho, dói saber que isso irá acontecer se não for eu que for primeiro. É como andar num lugar completamente escuro, você sabe que em qualquer momento poderá bater a cabeça em alguma coisa, e o tempo todo tem a impressão de que isso está por acontecer. A vida é tão natural quanto a morte, mas a gente vive a vida. O primeiro contato real, a primeira vez que se percebe o quanto ela é forte, o quanto ela é poderosa e irreversível muda alguma coisa dentro da gente pra sempre. Eu não tenho medo da minha tanto quanto tenho medo da dos meus amores.
Tremendo e apavorada, não querendo discar os números eu liguei, do outro lado atendeu uma das polonesas do jantar, consegui respirar novamente. Ela me falou que tinha acontecido alguma coisa com o Anderson e ele perdeu o vôo dele de volta pra casa e que tinham roubado o celular dele, mas que ele não tava lá no momento e que ele queria conversar comigo. Desliguei o telefone ainda tremendo, não era nada grave, comecei a chorar. O norueguês me abraçou sem entender nada, eu expliquei, ficamos um pouco mais juntos e ele foi dormir um pouco e eu fui esperar o Anderson.
Ele veio até o meu hostel me encontrar. O que aconteceu foi que ele tinha que pegar o vôo em determinado horário naquele dia, aí ele resolveu tirar um cochilo no sofá do hostel dele ante de ir pro aeroporto, ele tava super cansado do ano novo e acabou perdendo a hora do vôo, enquanto dormia, deixou o celular dele carregando e quando acordou não estava mais lá. Isso é uma lição importante sobre hostels, é super legal, é uma ótima opção pra quem não tem dinheiro e frescuras, mas tem que tomar cuidado com os pertences pessoais de valor como se tem em qualquer lugar do mundo. O hostel tem um clima hospitaleiro, a gente se sente em casa, mas não está. No final ele conseguiu resolver tudo e ele ficou mais dois dias, o que eu gostei.
Nessa noite nós não fizemos muita coisa e eu só vi o Martin quando já estava indo dormir, conversei um pouquinho com os noruegueses e não particularmente com ele e fui dormir na primeira noite inteiramente em 2010.